O Fantasma da Liberdade é um título que interpela o momento presente, além de citar o conhecido filme de Luis Buñuel, realizado em 1974. Referimo-nos muitas vezes ao «fantasma da liberdade» para falar do inalcançável que nos escapa, da promessa que alucina o real sem se concretizar plenamente. Na abertura do filme, onde atua o próprio Buñuel, as personagens clamam ironicamente: «Vivam as correntes!» A liberdade, que na primeira cena é uma liberdade política e social, adquirirá outro significado: a liberdade do artista e do criador, tão ilusória quanto a outra.
O jogo entre desejo e realidade, que atravessa a construção da liberdade, encontra-se hoje numa encruzilhada, aponta para direções contraditórias. As desigualdades económicas, a determinação do capital, a emergência climática e as fraturas sociais, baseadas na raça, na religião, no género ou na orientação sexual, expõem a fragilidade da liberdade como expressão do Universal.
A bienal O Fantasma da Liberdade propõe uma reflexão a partir destas diferentes perspetivas. Se o Universal não é mais um ponto de partida, não deixa de ser cada vez mais necessário pensar no universalismo como horizonte de liberdade, entendendo que a perpetuação da vida só pode ser a de todas as vidas, humanas e outras que não humanas. Neste sentido, a arte é um campo de encontro, resistência, participação, rutura e potência imaginativa regeneradora.
Explorar o imaginário da liberdade e as estratégias oferecidas pela arte contemporânea para o disputar, deslocar e habitar é o propósito desta Bienal que decorre em Coimbra. O título tem um sentido ambíguo e aberto. Se, por um lado, induz a ideia de que a liberdade é um fantasma, uma presença inescapável e espectral, por outro, aponta para um processo que se adia, vincando a produção alucinatória de um desejo. Não fica de fora desta equação a celebração do 50.º aniversário da Revolução dos Cravos (1974), e cabe aqui a reflexão acerca do seu potencial de imaginação histórica, assim como os seus impasses (o eco fraturado no presente do slogan «A paz, o pão, habitação, saúde, educação»). De igual modo, procura-se também evocar uma outra revolução operada na linguagem: o centenário do Manifesto Surrealista (1924).
À semelhança de Fantômas, o herói ficcional do romance de Pierre Souvestre e Marcel Allain, que sobrevoava os telhados da cidade de Paris, os fantasmas que se evocam nesta Bienal têm um valor poético, isto é, procuram sequestrar os acontecimentos históricos das suas convenções e leituras cristalizadas, e provocar uma suspensão e movimento, aliás, qualidades próprias dos fantasmas.
Ángel Calvo Ulloa e Marta Mestre
Curadores Anozero‘24
O Fantasma da Liberdade é um título que interpela o momento presente, além de citar o conhecido filme de Luis Buñuel, realizado em 1974. Referimo-nos muitas vezes ao «fantasma da liberdade» para falar do inalcançável que nos escapa, da promessa que alucina o real sem se concretizar plenamente. Na abertura do filme, onde atua o próprio Buñuel, as personagens clamam ironicamente: «Vivam as correntes!» A liberdade, que na primeira cena é uma liberdade política e social, adquirirá outro significado: a liberdade do artista e do criador, tão ilusória quanto a outra.
O jogo entre desejo e realidade, que atravessa a construção da liberdade, encontra-se hoje numa encruzilhada, aponta para direções contraditórias. As desigualdades económicas, a determinação do capital, a emergência climática e as fraturas sociais, baseadas na raça, na religião, no género ou na orientação sexual, expõem a fragilidade da liberdade como expressão do Universal.
A bienal O Fantasma da Liberdade propõe uma reflexão a partir destas diferentes perspetivas. Se o Universal não é mais um ponto de partida, não deixa de ser cada vez mais necessário pensar no universalismo como horizonte de liberdade, entendendo que a perpetuação da vida só pode ser a de todas as vidas, humanas e outras que não humanas. Neste sentido, a arte é um campo de encontro, resistência, participação, rutura e potência imaginativa regeneradora.
Explorar o imaginário da liberdade e as estratégias oferecidas pela arte contemporânea para o disputar, deslocar e habitar é o propósito desta Bienal que decorre em Coimbra. O título tem um sentido ambíguo e aberto. Se, por um lado, induz a ideia de que a liberdade é um fantasma, uma presença inescapável e espectral, por outro, aponta para um processo que se adia, vincando a produção alucinatória de um desejo. Não fica de fora desta equação a celebração do 50.º aniversário da Revolução dos Cravos (1974), e cabe aqui a reflexão acerca do seu potencial de imaginação histórica, assim como os seus impasses (o eco fraturado no presente do slogan «A paz, o pão, habitação, saúde, educação»). De igual modo, procura-se também evocar uma outra revolução operada na linguagem: o centenário do Manifesto Surrealista (1924).
À semelhança de Fantômas, o herói ficcional do romance de Pierre Souvestre e Marcel Allain, que sobrevoava os telhados da cidade de Paris, os fantasmas que se evocam nesta Bienal têm um valor poético, isto é, procuram sequestrar os acontecimentos históricos das suas convenções e leituras cristalizadas, e provocar uma suspensão e movimento, aliás, qualidades próprias dos fantasmas.
Ángel Calvo Ulloa e Marta Mestre
Curadores Anozero‘24