Coisas acontecem e coisas movem-se. Coisas transformam-se. Coisas repetem-se. Assumem a metamorfose. O tempo é metamorfose. O tempo é uma mudança interna e invisível. O tempo é capturado, e depois negado, obliterado. Coisas movem-se e repartem-se de acordo com regularidades imprevistas. Tudo é repetição e tudo é diferença. Duração. Atmosfera.
Talvez só a reverberação de uma experiência importe. Algo reverbera, algo que se afigura ser uma representação integralmente partilhada, ou que, pelo menos, pede essa expectativa, essa crença. Ragnar Kjartansson pede-nos que tomemos o simulacro pelo real. Tantas vezes representou o papel de um ator que se fez um ator. Tantas vezes regressou a esse enigma de assumir uma identidade que lhe parecia extrínseca, que se deixou contaminar com essa possibilidade. Tantas vezes correu os riscos da despersonalização que algo terá acontecido em nome de uma essência. Esse acontecer é o evento transfigurador que a sua arte celebra. Recuamos, mas temos dificuldade de o pensar. Mergulhamos nele e somos contaminados pela sua perfeição. A perfeição que só a experiência — e a vertigem que ela convoca — poderá ainda reter.
Nenhum artista nos fala já desse tempo sem tempo em que reconhecemos o poder das reverberações. Nenhum artista parece preocupar-se com os modos de fazer dobrar o tempo como se ele fosse uma folha de papel. Dobrar o tempo para melhor o suspender, para melhor o reificar, como se se tratasse de uma peça escultórica. Esculpir o tempo e mostrar-nos como ele é matéria e sombra dessa eternidade. Suspensão. O teatro e a música são os instrumentos de sombra e melancolia a partir dos quais essa hipótese é traçada.
Nenhum artista, dizemos. Um artista agora, só, operando essa sombra e essa melancolia, só na paisagem enquanto a floresta se fecha à sua volta, e nós, por momentos, sujeitos aos sortilégios da clareira.
Luís Quintais
Março de 2023
Coisas acontecem e coisas movem-se. Coisas transformam-se. Coisas repetem-se. Assumem a metamorfose. O tempo é metamorfose. O tempo é uma mudança interna e invisível. O tempo é capturado, e depois negado, obliterado. Coisas movem-se e repartem-se de acordo com regularidades imprevistas. Tudo é repetição e tudo é diferença. Duração. Atmosfera.
Talvez só a reverberação de uma experiência importe. Algo reverbera, algo que se afigura ser uma representação integralmente partilhada, ou que, pelo menos, pede essa expectativa, essa crença. Ragnar Kjartansson pede-nos que tomemos o simulacro pelo real. Tantas vezes representou o papel de um ator que se fez um ator. Tantas vezes regressou a esse enigma de assumir uma identidade que lhe parecia extrínseca, que se deixou contaminar com essa possibilidade. Tantas vezes correu os riscos da despersonalização que algo terá acontecido em nome de uma essência. Esse acontecer é o evento transfigurador que a sua arte celebra. Recuamos, mas temos dificuldade de o pensar. Mergulhamos nele e somos contaminados pela sua perfeição. A perfeição que só a experiência — e a vertigem que ela convoca — poderá ainda reter.
Nenhum artista nos fala já desse tempo sem tempo em que reconhecemos o poder das reverberações. Nenhum artista parece preocupar-se com os modos de fazer dobrar o tempo como se ele fosse uma folha de papel. Dobrar o tempo para melhor o suspender, para melhor o reificar, como se se tratasse de uma peça escultórica. Esculpir o tempo e mostrar-nos como ele é matéria e sombra dessa eternidade. Suspensão. O teatro e a música são os instrumentos de sombra e melancolia a partir dos quais essa hipótese é traçada.
Nenhum artista, dizemos. Um artista agora, só, operando essa sombra e essa melancolia, só na paisagem enquanto a floresta se fecha à sua volta, e nós, por momentos, sujeitos aos sortilégios da clareira.
Luís Quintais
Março de 2023