Miss understanding
Ana Rita António
2018
até 
12
May 2018
Círculo Sede
Miss understanding

Miss understanding

Exposição Coletiva

Miss understanding

Exposição Coletiva

17
March 2018
a
12
May 2018
Círculo Sede

A criança olhava para o velho que dançava e parecia dançar para toda a eternidade.
— Avô, porque danças desse modo?
— Sabes, meu pequeno, o homem é como um pião. A sua dignidade, a sua nobreza, o seu equilíbrio, ele não os alcança senão no movimento… O homem faz-se de se desfazer, não o esqueças nunca!
Marc-Alain Ouaknin

Pouco a pouco, o dia equilibra-se, repete-se, articula-se, desmembra-se, até um dia ser um. Afeiçoamo-nos ao pouco, ao oco do regulamento que se perpetua sem atrito, quase sem atrito, quase sem marcas que evidenciem a sua imperfeita uniformidade. Cadente ou ascendente, o ritmo nasce do deslocamento que faz com que o inaparente incida a sua linha oblíqua no comum. A percepção hesita na dificuldade de se acomodar ao que lhe é dado. Os dados que tendem a cair sempre sobre o mesmo lado mantêm-se indecisos sobre o vértice. Habituamo-nos a pôr uma pedra no sapato, a desequilibrar a monotonia esterilizada do enquadramento. Mancos, não como Jacob depois da luta com o anjo, mas na ausência de um anjo que nos faça frente. Do ritmo imposto ao posto arrítmico de quem coxeia, a lamela que abre o molde fere a peça, mas dessa ferida eclodem harmónicos que se multiplicam. Os dedos duplicam-se quando abanamos a mão a uma certa velocidade, demasiado rápido desaparecem, demasiado lentamente voltam a ser cinco, não se tratando de uma ilusão de óptica, mas da fragilidade de um espaço onde a efervescência da aparição deixa de ter relação com um original para ser a matriz de um jogo que descobrirá as suas próprias regras. A inocência do jogo é mais séria do que a maturidade do método; ela vive da possibilidade de fazer surgir a partir da mínima variação o máximo de liberdade. Não há jogo sem regras, seria o inesperado que desapareceria juntamente com o que se espera. Mas se o que se espera confina numa monotonia, por seu lado, o jogo que se descobre à medida que se joga é um constante rejuvenescer. Matisse dizia que o único jogo capaz de estar à altura da vida seria aquele em que cada movimento de uma peça alteraria todas as regras do mesmo. Há um tropeçar salutar, por vezes uma casualidade, um erro, que dá a ver algo que permanecia fechado na sua univocidade. Miss understanding não é um mero trocadilho, nem uma graçola que se extingue depois de uns segundos: a verdadeira reverberação do nome surge face ao trabalho da mesma. Miss understanding é a singular estereofonia de todas as suas significações a ecoarem simultaneamente, a delicadeza de uma compreensão que prefere não se deixar levar pelo que subentende, e o desvio de uma incompreensão que lhe permite descobrir outra ordem na arrumada desordem dos dias. Este ouvir em simultâneo dois ou mais sentidos diferentes é o que Barthes chama de anfibologia e dele nasce a fruição do entendimento. Trata-se de jouissance, algo que excede a compreensão, de modo que a terna violência do jogo se vai revelando no que se suspende sobre a incompreensão. Tropeçar no erro, encontrar o erro, descobrir o erro, é entrar na errância da aventura: a mutação oferecida pela possibilidade de outra compreensão, o prazer da leitura, seja de um trabalho, de um livro ou do mundo, está neste desabrochar de sentidos inesperados.

Ricardo Norte
O autor não segue o Acordo Ortográfico em vigor.

A criança olhava para o velho que dançava e parecia dançar para toda a eternidade.
— Avô, porque danças desse modo?
— Sabes, meu pequeno, o homem é como um pião. A sua dignidade, a sua nobreza, o seu equilíbrio, ele não os alcança senão no movimento… O homem faz-se de se desfazer, não o esqueças nunca!
Marc-Alain Ouaknin

Pouco a pouco, o dia equilibra-se, repete-se, articula-se, desmembra-se, até um dia ser um. Afeiçoamo-nos ao pouco, ao oco do regulamento que se perpetua sem atrito, quase sem atrito, quase sem marcas que evidenciem a sua imperfeita uniformidade. Cadente ou ascendente, o ritmo nasce do deslocamento que faz com que o inaparente incida a sua linha oblíqua no comum. A percepção hesita na dificuldade de se acomodar ao que lhe é dado. Os dados que tendem a cair sempre sobre o mesmo lado mantêm-se indecisos sobre o vértice. Habituamo-nos a pôr uma pedra no sapato, a desequilibrar a monotonia esterilizada do enquadramento. Mancos, não como Jacob depois da luta com o anjo, mas na ausência de um anjo que nos faça frente. Do ritmo imposto ao posto arrítmico de quem coxeia, a lamela que abre o molde fere a peça, mas dessa ferida eclodem harmónicos que se multiplicam. Os dedos duplicam-se quando abanamos a mão a uma certa velocidade, demasiado rápido desaparecem, demasiado lentamente voltam a ser cinco, não se tratando de uma ilusão de óptica, mas da fragilidade de um espaço onde a efervescência da aparição deixa de ter relação com um original para ser a matriz de um jogo que descobrirá as suas próprias regras. A inocência do jogo é mais séria do que a maturidade do método; ela vive da possibilidade de fazer surgir a partir da mínima variação o máximo de liberdade. Não há jogo sem regras, seria o inesperado que desapareceria juntamente com o que se espera. Mas se o que se espera confina numa monotonia, por seu lado, o jogo que se descobre à medida que se joga é um constante rejuvenescer. Matisse dizia que o único jogo capaz de estar à altura da vida seria aquele em que cada movimento de uma peça alteraria todas as regras do mesmo. Há um tropeçar salutar, por vezes uma casualidade, um erro, que dá a ver algo que permanecia fechado na sua univocidade. Miss understanding não é um mero trocadilho, nem uma graçola que se extingue depois de uns segundos: a verdadeira reverberação do nome surge face ao trabalho da mesma. Miss understanding é a singular estereofonia de todas as suas significações a ecoarem simultaneamente, a delicadeza de uma compreensão que prefere não se deixar levar pelo que subentende, e o desvio de uma incompreensão que lhe permite descobrir outra ordem na arrumada desordem dos dias. Este ouvir em simultâneo dois ou mais sentidos diferentes é o que Barthes chama de anfibologia e dele nasce a fruição do entendimento. Trata-se de jouissance, algo que excede a compreensão, de modo que a terna violência do jogo se vai revelando no que se suspende sobre a incompreensão. Tropeçar no erro, encontrar o erro, descobrir o erro, é entrar na errância da aventura: a mutação oferecida pela possibilidade de outra compreensão, o prazer da leitura, seja de um trabalho, de um livro ou do mundo, está neste desabrochar de sentidos inesperados.

Ricardo Norte
O autor não segue o Acordo Ortográfico em vigor.

Artistas

Ana Rita António

Obras

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Curadoria

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© Jorge das Neves

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Localização e horário

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Terça a sábado 14h00 às 18h00

Ligação Externa

Atividades associadas

Não foram encontradas atividades associadas.

Agradecimentos

Norsk Kulturaad Bergen Municipality Norwegian Arts Association

Notícias Associadas

Mais informações

Ficha técnica

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Organização
Círculo de Artes Plásticas de Coimbra

Produção
Ana Sousa
Catarina Bota Leal

Assistência à produção
Jorge das Neves
Ivone Antunes

Montagem
Jorge das Neves

Fotografia
Jorge das Neves

Texto
Ricardo Norte

Tradução
Hugo Carriço (Estagiário FLUC)

Revisão
Carina Correia

Tradução
Hugo Carriço (Estagiário FLUC)

Direção de Arte
João Bicker

Design Gráfico
Joana Monteiro

Apoios

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Apoios institucionais