Durante quinze anos, Filipe Feijão construiu uma estrutura proto-museológica — seguramente, um dos projectos utópicos e visionários mais extraordinários realizados nas últimas décadas em Portugal — que, na prática, funcionou como extensão do seu ateliê das Caldas da Rainha.
Parente ou herdeira de várias estruturas mais ou menos bem conhecidas que alguns artistas foram construindo desde o início do século XX (pensemos no Merzbau de Schwitters, por exemplo), esta peça de grande envergadura tornou-se no habitat de um extenso e variado conjunto de coisas estranhas em si e umas às outras — plantas, cactos, fósseis, organismos vivos, ossos de baleia, cerâmicas, vigas de madeira e outros objectos.
Não é tanto para os gabinetes de curiosidade ou para as câmaras de maravilhamento que remete esta singular e monumental peça. Dir-se-ia que se trata de uma estrutura que foi pensada e construída para poder acolher um pensamento e uma prática alargada da escultura. É, portanto, uma estrutura propiciatória, uma espécie de máquina desejante aberta à multiplicidade e que, em rigor, tematiza a diversidade como último reduto do pensamento escultórico, irredutível à sujeição da forma.
É, por isso mesmo, enigmática a peça que escolheu mostrar no CAPC. É feita a partir da transposição material de um fragmento que jazia na estrutura, cujo aparato físico parece em tudo remeter para a linguagem do neoclassicismo — o hieratismo da forma, a aparência de ruína, o antropomorfismo da pose (como se se tratasse de uma visão de Marat na sua banheira-túmulo). É, contudo, aparente essa filiação; trata-se, ao contrário, de uma visão orgânica, de uma figura do contínuo.
Com efeito, todo o trabalho de Filipe Feijão se tem desenvolvido em torno da possibilidade de pensar a escultura como trânsito entre este e o outro mundo, uma das mais velhas questões com que os escultores se debatem desde sempre: como conciliar corpo e matéria, vida e morte, negativo e positivo, forma e sopro.
Nuno Faria
O autor não segue a grafia do recente Acordo Ortográfico.
Durante quinze anos, Filipe Feijão construiu uma estrutura proto-museológica — seguramente, um dos projectos utópicos e visionários mais extraordinários realizados nas últimas décadas em Portugal — que, na prática, funcionou como extensão do seu ateliê das Caldas da Rainha.
Parente ou herdeira de várias estruturas mais ou menos bem conhecidas que alguns artistas foram construindo desde o início do século XX (pensemos no Merzbau de Schwitters, por exemplo), esta peça de grande envergadura tornou-se no habitat de um extenso e variado conjunto de coisas estranhas em si e umas às outras — plantas, cactos, fósseis, organismos vivos, ossos de baleia, cerâmicas, vigas de madeira e outros objectos.
Não é tanto para os gabinetes de curiosidade ou para as câmaras de maravilhamento que remete esta singular e monumental peça. Dir-se-ia que se trata de uma estrutura que foi pensada e construída para poder acolher um pensamento e uma prática alargada da escultura. É, portanto, uma estrutura propiciatória, uma espécie de máquina desejante aberta à multiplicidade e que, em rigor, tematiza a diversidade como último reduto do pensamento escultórico, irredutível à sujeição da forma.
É, por isso mesmo, enigmática a peça que escolheu mostrar no CAPC. É feita a partir da transposição material de um fragmento que jazia na estrutura, cujo aparato físico parece em tudo remeter para a linguagem do neoclassicismo — o hieratismo da forma, a aparência de ruína, o antropomorfismo da pose (como se se tratasse de uma visão de Marat na sua banheira-túmulo). É, contudo, aparente essa filiação; trata-se, ao contrário, de uma visão orgânica, de uma figura do contínuo.
Com efeito, todo o trabalho de Filipe Feijão se tem desenvolvido em torno da possibilidade de pensar a escultura como trânsito entre este e o outro mundo, uma das mais velhas questões com que os escultores se debatem desde sempre: como conciliar corpo e matéria, vida e morte, negativo e positivo, forma e sopro.
Nuno Faria
O autor não segue a grafia do recente Acordo Ortográfico.
Organização
Círculo de Artes Plásticas de Coimbra
Produção
Ana Sousa
Catarina Bota Leal
Assistência à produção
Jorge das Neves
Ivone Antunes
Montagem
Jorge das Neves
Fotografia
Jorge das Neves
Texto
Bruno Humberto
Revisão
Carina Correia
Tradução
Hugo Carriço (Estagiário FLUC)
Direção de Arte
João Bicker
Design Gráfico
Joana Monteiro