Passage
Pedro Pascoinho
2016
até 
17
December 2016
Círculo Sede
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Collective Exhibition

Passage

Exposição Coletiva

29
October 2016
to
17
December 2016
Círculo Sede

Na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma
Lavoisier

Repetir, repetir, até ser diferente
Manoel de Barros

Se fizesse uma entrevista com uma pergunta apenas ao Pedro Pascoinho, acerca do seu trabalho de pintor – eu, que não sou jornalista para fazer perguntas, nem marketeer competente para fazer campanhas ou carreiras, mas que o conheço como tal há cerca de 20 anos, e que acompanhei de perto a sua vida e obra – talvez lhe perguntasse, com os expectáveis rodeios introdutórios e frases longas (que aceitaria serem inevitáveis numa tentativa de resumo de 20 anos de trabalho e num discurso oral como a entrevista), algo do género:

—  O teu trabalho sempre foi figurativo, começou por ter muitas figuras e histórias, foi depurando como se usasses um zoom, no sentido que foste sempre reduzindo o campo da imagem, digamos, do geral para o particular, mas apesar dessas aparentes diferenças e das classificações imediatas que, por alguma analogia e ânsia de catalogação de algo que nos parece estranho e que nos sentimos inseguros em apreender sem ter um nome, as pessoas foram catalogando como surrealista, pop, clássico, estado novo, Hopper,  Neo Rauch, Borremans e por aí fora… apesar disso, dizia, reparo que sempre deste títulos às obras ou às séries como: Models, Hold icons, Collectors, Art revisions, Under current, The permanence, No future, Sustain, Remain, Emerge, Inside, Unavoidable, Establishment, Alignment, Parallel, Transition, etc, e agora esta exposição no Círculo de Artes Plásticas de Coimbra intitula-se “Passage” (e enumero tantos, à laia de retrospectiva, para nos lembrar que sempre houve apenas pequenos incrementos, ideias próximas, e um mesmo universo conceptual, mesmo nos trabalhos que eram alvo de catalogações tão diversas, já que ainda não surgiu uma exposição que mostre todas essas obras) e que desde sempre recorreste ao mesmo processo de coleccionar imagens e delas esperar que algum fragmento se imponha como inevitável para o teu trabalho, e que sempre falaste em memória, tempo, passagem, matéria, surgimento, linha cronológica, perfeitamente visíveis para ti quase desde o início e, se algo ia mudando, era a tua percepção do nível de apuramento dos conceitos e a clareza e simplicidade do que pretendias fazer, que inúmeras vezes tive o privilégio de te ouvir explicar, sem nunca nestes 20 anos ter dado por ti sem teres uma ideia clara por trás de cada obra que ias produzindo, o que cimentou uma amizade também fundada na admiração pelo teu saber e coerência, características geradoras de dúvidas mas também do impulso de lhes responderes de modo autêntico.

Feita esta introdução, a pergunta será apenas: Pedro Pascoinho, como te sentes como pintor destas coisas, que decidiste ser e criar?

E imagino uma possível resposta dele mas sem as limitações de pudor sempre impostas pelo discurso directo…:

“Realmente 20 anos já dá para confundir fazer com ser. Contudo, a minha existência separa-se da existência das coisas que fiz na exacta medida em que as coisas que faço se separam das outras coisas que os outros fazem, pelo simples facto que tenho perfeita consciência de que eu, os outros, todo o mundo, incluindo toda a pintura e pensamento, somos feitos da mesma matéria desde sempre e para sempre, mas o que me torna único entre toda a matéria é eu ter existência por via da consciência de que a matéria que me constitui está ligada e animada de maneira distinta, por exemplo, da matéria do chão que piso ou do pincel que agarro, ou da água que bebo, tal como tenho consciência que a minha pintura existe por via dessa distinção consciente da matéria de que se anima, mesmo que nela se veja um corpo semelhante a um corpo, uma memória semelhante a uma memória.

Se eu estivesse sem consciência apurada da minha existência e da existência do meu trabalho, ambos distintos de toda a outra matéria do universo, talvez estivesse preocupado em apenas ouvir a “música pimba” – que é a crítica precipitada, de primeira impressão de quem não conhece o meu trabalho e nem mesmo, talvez, conheça bem as catalogações que usa, e que referiste, como por exemplo Surrealismo, Pop, Hopper ou Borremans, etc – e aí, eu não teria a energia suficiente para fazer apenas e exclusivamente a pintura do Pedro Pascoinho, ou seja, aquela que mais ninguém pode fazer.

Nunca me ocorreu sequer a hipótese de deixar de fazer o que persigo, o detalhe, a formulação mais precisa, que referes quando dizes que fiz e faço zooms, num caminho que considero o meu e que nunca foi guiado pelo que vi fazer a outros, fosse por via da imitação ou da recusa. Não digo de modo nenhum que não seja influenciável, que, com imensa honra, não me sinta filho de uma linhagem de pintores (como por exemplo Jan van Eyck, Vermeer ou Rembrandt), onde bebi muito, conscientemente e inconscientemente, com irmãos em vários tempos, onde devemos ter ido incubar a génese da nossa pintura, tendo cada uma seguido o seu processo fisiológico de evolução, que se repete de indivíduo para indivíduo que herda a mesma genética, como uma aplicação de uma lei natural, que não deixa de produzir indivíduos e personalidades distintas, ainda que com a mesma morfologia. Por vezes, encontramos na linha da história, cientistas que, em sítios diferentes do mundo, estão simultaneamente a encontrar e investigar o mesmo problema e a formular respostas semelhantes, mesmo sem se conhecerem, como se estivessem em comunicação telepática – enfim, isso deve ter um pouco a ver com eles olharem o mundo munidos das mesmas referências – e desenvolverem separadamente um pensamento formado com a mesma genética ou obterem a mesma solução por caminhos diferentes.

Acho já ter a maturidade mínima suficiente para saber o que tenho feito e que já não sou confundível, pelo menos para um olhar atento, apenas com o que herdei ou seleccionei herdar. Esta exposição, “Passage”, que imagino como um olhar quase microscópico sobre a aparição, a revelação fulgurante e primordial do trânsito fluido da matéria, tem no CAPC uma peça com três pinturas e um espelho, com carácter instalatório, que intitulei “This land is yours” e faz exactamente referência ao que recebemos, mesmo que essa herança tenha a sombra de um Pai forte, como por exemplo Deus ou um grande homem. A autonomia que nos torna existentes por direito próprio passa precisamente por aceitar o legado e saber o que fazer com ele, ou seja, de uma forma distintiva, acrescentar-lhe a nossa marca, o nosso caminho, tornando só então a herança verdadeiramente nossa. E sempre que nos debruçamos para ver aquilo em que tornámos a nossa herança, se o tivermos feito de modo consciente, lá estará o rosto do nosso antepassado reflectido, e o nosso reconhecimento respeitoso da nossa linhagem, que não precisámos de abandonar (e menos ainda renegar), só para esconder o espectro da nossa inexistência.

Pelo que, abreviando a resposta, me sinto sempre e exclusivamente atento à matéria do meu processo de trabalho e ao incessante pensamento que desse modo ordeno (ou vice versa) e a tentar sempre fazer o que se me impõe como o que tenho para fazer.”

Enfim, era o que ele talvez me respondesse, se fosse eu… ou o que achei que eu diria… se fosse ele.

Eduardo Rosa

Na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma
Lavoisier

Repetir, repetir, até ser diferente
Manoel de Barros

Se fizesse uma entrevista com uma pergunta apenas ao Pedro Pascoinho, acerca do seu trabalho de pintor – eu, que não sou jornalista para fazer perguntas, nem marketeer competente para fazer campanhas ou carreiras, mas que o conheço como tal há cerca de 20 anos, e que acompanhei de perto a sua vida e obra – talvez lhe perguntasse, com os expectáveis rodeios introdutórios e frases longas (que aceitaria serem inevitáveis numa tentativa de resumo de 20 anos de trabalho e num discurso oral como a entrevista), algo do género:

—  O teu trabalho sempre foi figurativo, começou por ter muitas figuras e histórias, foi depurando como se usasses um zoom, no sentido que foste sempre reduzindo o campo da imagem, digamos, do geral para o particular, mas apesar dessas aparentes diferenças e das classificações imediatas que, por alguma analogia e ânsia de catalogação de algo que nos parece estranho e que nos sentimos inseguros em apreender sem ter um nome, as pessoas foram catalogando como surrealista, pop, clássico, estado novo, Hopper,  Neo Rauch, Borremans e por aí fora… apesar disso, dizia, reparo que sempre deste títulos às obras ou às séries como: Models, Hold icons, Collectors, Art revisions, Under current, The permanence, No future, Sustain, Remain, Emerge, Inside, Unavoidable, Establishment, Alignment, Parallel, Transition, etc, e agora esta exposição no Círculo de Artes Plásticas de Coimbra intitula-se “Passage” (e enumero tantos, à laia de retrospectiva, para nos lembrar que sempre houve apenas pequenos incrementos, ideias próximas, e um mesmo universo conceptual, mesmo nos trabalhos que eram alvo de catalogações tão diversas, já que ainda não surgiu uma exposição que mostre todas essas obras) e que desde sempre recorreste ao mesmo processo de coleccionar imagens e delas esperar que algum fragmento se imponha como inevitável para o teu trabalho, e que sempre falaste em memória, tempo, passagem, matéria, surgimento, linha cronológica, perfeitamente visíveis para ti quase desde o início e, se algo ia mudando, era a tua percepção do nível de apuramento dos conceitos e a clareza e simplicidade do que pretendias fazer, que inúmeras vezes tive o privilégio de te ouvir explicar, sem nunca nestes 20 anos ter dado por ti sem teres uma ideia clara por trás de cada obra que ias produzindo, o que cimentou uma amizade também fundada na admiração pelo teu saber e coerência, características geradoras de dúvidas mas também do impulso de lhes responderes de modo autêntico.

Feita esta introdução, a pergunta será apenas: Pedro Pascoinho, como te sentes como pintor destas coisas, que decidiste ser e criar?

E imagino uma possível resposta dele mas sem as limitações de pudor sempre impostas pelo discurso directo…:

“Realmente 20 anos já dá para confundir fazer com ser. Contudo, a minha existência separa-se da existência das coisas que fiz na exacta medida em que as coisas que faço se separam das outras coisas que os outros fazem, pelo simples facto que tenho perfeita consciência de que eu, os outros, todo o mundo, incluindo toda a pintura e pensamento, somos feitos da mesma matéria desde sempre e para sempre, mas o que me torna único entre toda a matéria é eu ter existência por via da consciência de que a matéria que me constitui está ligada e animada de maneira distinta, por exemplo, da matéria do chão que piso ou do pincel que agarro, ou da água que bebo, tal como tenho consciência que a minha pintura existe por via dessa distinção consciente da matéria de que se anima, mesmo que nela se veja um corpo semelhante a um corpo, uma memória semelhante a uma memória.

Se eu estivesse sem consciência apurada da minha existência e da existência do meu trabalho, ambos distintos de toda a outra matéria do universo, talvez estivesse preocupado em apenas ouvir a “música pimba” – que é a crítica precipitada, de primeira impressão de quem não conhece o meu trabalho e nem mesmo, talvez, conheça bem as catalogações que usa, e que referiste, como por exemplo Surrealismo, Pop, Hopper ou Borremans, etc – e aí, eu não teria a energia suficiente para fazer apenas e exclusivamente a pintura do Pedro Pascoinho, ou seja, aquela que mais ninguém pode fazer.

Nunca me ocorreu sequer a hipótese de deixar de fazer o que persigo, o detalhe, a formulação mais precisa, que referes quando dizes que fiz e faço zooms, num caminho que considero o meu e que nunca foi guiado pelo que vi fazer a outros, fosse por via da imitação ou da recusa. Não digo de modo nenhum que não seja influenciável, que, com imensa honra, não me sinta filho de uma linhagem de pintores (como por exemplo Jan van Eyck, Vermeer ou Rembrandt), onde bebi muito, conscientemente e inconscientemente, com irmãos em vários tempos, onde devemos ter ido incubar a génese da nossa pintura, tendo cada uma seguido o seu processo fisiológico de evolução, que se repete de indivíduo para indivíduo que herda a mesma genética, como uma aplicação de uma lei natural, que não deixa de produzir indivíduos e personalidades distintas, ainda que com a mesma morfologia. Por vezes, encontramos na linha da história, cientistas que, em sítios diferentes do mundo, estão simultaneamente a encontrar e investigar o mesmo problema e a formular respostas semelhantes, mesmo sem se conhecerem, como se estivessem em comunicação telepática – enfim, isso deve ter um pouco a ver com eles olharem o mundo munidos das mesmas referências – e desenvolverem separadamente um pensamento formado com a mesma genética ou obterem a mesma solução por caminhos diferentes.

Acho já ter a maturidade mínima suficiente para saber o que tenho feito e que já não sou confundível, pelo menos para um olhar atento, apenas com o que herdei ou seleccionei herdar. Esta exposição, “Passage”, que imagino como um olhar quase microscópico sobre a aparição, a revelação fulgurante e primordial do trânsito fluido da matéria, tem no CAPC uma peça com três pinturas e um espelho, com carácter instalatório, que intitulei “This land is yours” e faz exactamente referência ao que recebemos, mesmo que essa herança tenha a sombra de um Pai forte, como por exemplo Deus ou um grande homem. A autonomia que nos torna existentes por direito próprio passa precisamente por aceitar o legado e saber o que fazer com ele, ou seja, de uma forma distintiva, acrescentar-lhe a nossa marca, o nosso caminho, tornando só então a herança verdadeiramente nossa. E sempre que nos debruçamos para ver aquilo em que tornámos a nossa herança, se o tivermos feito de modo consciente, lá estará o rosto do nosso antepassado reflectido, e o nosso reconhecimento respeitoso da nossa linhagem, que não precisámos de abandonar (e menos ainda renegar), só para esconder o espectro da nossa inexistência.

Pelo que, abreviando a resposta, me sinto sempre e exclusivamente atento à matéria do meu processo de trabalho e ao incessante pensamento que desse modo ordeno (ou vice versa) e a tentar sempre fazer o que se me impõe como o que tenho para fazer.”

Enfim, era o que ele talvez me respondesse, se fosse eu… ou o que achei que eu diria… se fosse ele.

Eduardo Rosa

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Organização
Círculo de Artes Plásticas de Coimbra

Assistência à produção
Jorge das Neves
Ivone Antunes
Karen Bruder
Pedro Sá Valentim

Montagem
Jorge das Neves
António Guardiola
Cândido Jacob

Fotografia
Jorge das Neves

Imagem e Som
Jorge das Neves
António Guardiola
Carlos Pascoinho
Pedro Pascoinho

Texto
Ana Pires Quintais
Eduardo Rosa

Secretariado
Ivone Antunes

Arquivo e Biblioteca
Cláudia Paiva

Design Gráfico
Joana Monteiro

Projeto educativo
Jorge das Neves
Pedro Sá Valentim
Valdemar Santos

Support

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