A tradição do retrato, e mais especificamente do auto-retrato, remonta aos pintores holandeses do Renascimento. Antes de Michelangelo se auto-retratar em seu fresco da Capela Sistina, ou antes mesmo de Velásquez pôr a público o rosto do autor (As meninas), Van Eyck auto-retratou-se — “a maneira neerlandesa”, ou seja, através de reflexo e miniatura — na cena de casamento dos Arnolfini (O Matrimônio ou Os esponsais dos Arnolfini, 1434). Com esta cena magistral, Van Eyck passou de testemunha a escritor de histórias — uma social e outra religiosa, pois pela primeira vez na história, o artista tornou-se testemunha ocular perfeita, na mais verdadeira acepção da palavra. O que se sabe da Humanidade, em grande parte, deve-se através dos retratos, bem como das pinturas religiosas e das cenas mundanas.
Posso compreender os motivos que levaram ao artista Albuquerque Mendes, sendo um dos nomes portugueses surgidos nos anos setenta, a mesclar toda a tradição da pintura, do auto-retrato, dos ritos religiosos com a acção da performance. O insight do artista é ter transformado o momento de testemunha ocular perfeita do seu tempo — onde a aura tanto do objecto quanto do artista, escorria pelo ralo da história rala. Desta feita, o artista ricocheteia o chicote impiedoso da história no corpo do próprio artista que, ao parece, esqueceu-se do seu papel de Xamã. A arte, tal qual a religião onde os ritos sagrados são feitos por quem detém poderes mágicos, deve ser exercida como uma performance de transformação. (…)
Paulo Reis
Rio de Janeiro, Maio de 2002
A tradição do retrato, e mais especificamente do auto-retrato, remonta aos pintores holandeses do Renascimento. Antes de Michelangelo se auto-retratar em seu fresco da Capela Sistina, ou antes mesmo de Velásquez pôr a público o rosto do autor (As meninas), Van Eyck auto-retratou-se — “a maneira neerlandesa”, ou seja, através de reflexo e miniatura — na cena de casamento dos Arnolfini (O Matrimônio ou Os esponsais dos Arnolfini, 1434). Com esta cena magistral, Van Eyck passou de testemunha a escritor de histórias — uma social e outra religiosa, pois pela primeira vez na história, o artista tornou-se testemunha ocular perfeita, na mais verdadeira acepção da palavra. O que se sabe da Humanidade, em grande parte, deve-se através dos retratos, bem como das pinturas religiosas e das cenas mundanas.
Posso compreender os motivos que levaram ao artista Albuquerque Mendes, sendo um dos nomes portugueses surgidos nos anos setenta, a mesclar toda a tradição da pintura, do auto-retrato, dos ritos religiosos com a acção da performance. O insight do artista é ter transformado o momento de testemunha ocular perfeita do seu tempo — onde a aura tanto do objecto quanto do artista, escorria pelo ralo da história rala. Desta feita, o artista ricocheteia o chicote impiedoso da história no corpo do próprio artista que, ao parece, esqueceu-se do seu papel de Xamã. A arte, tal qual a religião onde os ritos sagrados são feitos por quem detém poderes mágicos, deve ser exercida como uma performance de transformação. (…)
Paulo Reis
Rio de Janeiro, Maio de 2002
Organização
Círculo de Artes Plásticas de Coimbra
Café Santa Cruz
Montagem
Círculo de Artes Plásticas
Fotografia
Círculo de Artes Plásticas
Secretariado
Ivone Antunes
Texto
Paulo Reis
Direção de Arte
Artur Rebelo
Lizá Ramalho
João Bicker
Design Gráfico
unit-lab, por
Francisco Pires e Marisa Leiria